Passados mais de um ano, é notório o fato de que a
presidente Dilma, em 2014, candidata à reeleição para a chefia do executivo
federal, mentiu para os eleitores que a ela dirigiram seus votos. Mentir na
campanha eleitoral não é nenhum crime, nem de perto; mas é, sem sombra de
dúvidas, um ingrediente que deveria ser extirpado (sim, aqui há uma utopia para
fins exemplificativos e explicativos) ou pelo menos satisfatoriamente diminuído
em países democráticos. Ou seja, a mentira deveria ser a exceção e não, a
regra.
Constatadas as mentiras, o que chamam fraude
eleitoral, o povo foi às ruas protestar contra o governo que seguiu em direção
diversa daquela que efusivamente prometeu aos eleitores. Surgiu-se, então, na
opinião pública a ideia de que se recorresse ao impeachment da presidente, que teria violado a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) com decretos que permitiram aos bancos públicos
emprestarem dinheiro ao governo. Tal atitude da presidente violaria a LRF, por
isso o motivo do pedido de impeachment ecoou das ruas para a Câmara dos Deputados.
Este texto não pretende entrar no mérito da questão:
se o impeachment é válido ou se é
golpe (como alguns o chamam). O objetivo do texto é demonstrar o cenário que
vai do período eleitoral até às políticas tomadas pelo governo, que descontentaram
a maioria da população; e como esta se encontra à mercê de um Congresso
Nacional que, ela mesma, julga ser também contra os seus interesses. Diante
desse cenário em que o povo quer a saída da presidente e fica sob os auspícios
de um Congresso Nacional em crise com a representatividade popular, qual seria
a saída política democrática mais adequada e mais eficaz diante do nosso
sistema presidencialista - que chega até mesmo a ser ‘’imperial’’, cesarista?
Leva-se em consideração que o povo exerce o poder,
no Brasil, (1) por meios de seus representantes; (2) através de plebiscito; (3)
de referendo; e (4) de lei de iniciativa popular. Mas cabe aqui, como se vê,
que falta o recall político para maior robustez quanto à democracia brasileira.
Seria o quinto e mais importante instrumento de controle popular e de exercício
direto do poder em relação aos que exercem o mandato político no país dentro de
um sistema presidencialista rígido.
Nesse sentido, recall é um instrumento jurídico e
político, no qual se permite a destituição do detentor de cargo eletivo por
meio do voto popular. A ideia mais central desse instituto é a tese de que se
um governante, seja do Poder Legislativo (este quando revogação ou destituição
colegiada ou coletiva) ou do Poder Executivo, não realizar um bom mandato, aos
olhos do povo-eleitor, este pode votar pela destituição daquela pessoa que
ocupa cargo eletivo. Logo o voto do recall político é uma espécie de ‘’voto de
desconfiança ou de confiança’’, medida estabelecida e muito utilizada em
sistemas de governos parlamentaristas; que, apesar de ser parecida, não se
confunde com o recall. Nessa direção, o
povo transformar-se-ia em um grande parlamento pós-eleitoral em que daria a sua
moção de desconfiança ou confiança depois de transcorrido o tempo de mandado
estabelecido na lei, para esse fim.
O instrumento, aqui em questão, aproxima-se da
democracia direta sem colocar em risco a autonomia individual daqueles que
estão sob um determinado ordenamento político; isto é: o exercício do voto no
recall político não favorece a ‘’ditadura da maioria’’. O mesmo não se poderia
afirmar caso se escolhesse a democracia direta para todas as decisões de uma
dada organização política – país, estado, município – (mesmo que isso fosse
possível nos tempos modernos) em detrimento de uma democracia representativa. O
recall, portanto, não favorece, de modo algum, a ‘’tirania da maioria’’; uma
vez que ele permite somente se o mandato continua com determinado agente ou não.
O recall dá à população a chance de destituir de seu
cargo aquele que, durante a corrida eleitoral, usou recursos imorais, antiéticos,
manipuladores ou falsificados. Constitui-se assim um poderoso sistema de freio
ou contrapeso à demagogia ou à manipulação de massa excessiva. Uma vez que o
poder político, na democracia, origina-se do povo, nada mais coerente que dar a
ele o poder de decidir se o agente político está agindo conforme suas propostas
estabelecidas; e ainda dá aos eleitores a possibilidade de avaliação do seu
representante após um determinado período de tempo do mandato. É uma aprovação
ou desaprovação a posteriori daquele
que exerce mandato eletivo. Tal instrumento esclareceria, de vez e na prática,
de quem é a titularidade do poder político: do cidadão!
Ademais, o recall atinge principalmente a atitude
dos políticos, tanto em disputa eleitoral quanto em exercício de mandato.
Seria, pois, um mecanismo que se apresenta imperioso ao agente político. Com
efeito, o recall serve como fiscalização do povo no momento em que se destitui o
agente ou no momento em que se mantém ele no cargo sem prejuízo do regime
democrático. Ganharia, em muito, a democracia caso fosse instituído tal
instrumento; o exercício do poder legalmente constituído abarcaria em si uma
‘’trava’’ popular em relação aos desmandos dos agentes políticos, sob a ótica
própria do povo-eleitor que aprovaria ou não a continuidade do governante no
cargo de acordo com seus próprios designíos.
Outra vantagem seria a de que não mais fosse
necessário (como não o é na democracia representativa) que o representante do
povo estivesse fielmente vinculado, em termos de propostas políticas e execução
de poder durante seu mandato, à sua base eleitoral. Não se deve haver essa
vinculação, pois se corre o risco de descaracterização do regime democrático
representativo como regime estável, uma vez que a maioria, em termos de
escolhas legislativas e orçamentárias do Estado, por exemplo, nem sempre leva
em consideração a racionalidade, as vantagens e as desvantagens das suas decisões
diretamente elegidas.
Porém em relação ao recall, ainda que haja uma
escolha pela maioria que não seja racional ou vantajosa, a democracia tem a seu
dispor outros mecanismos de freios e contrapesos à própria vontade da maioria,
quais sejam: a independência dos poderes, o Poder Judiciário, as leis e a Constituição.
Em uma democracia direta, não há tais mecanismos de controle e limitação, pois ‘’tudo’’
é definido de acordo com o ânimo da maioria. Ademais, no mundo atual, é
impossível que a maioria decida por todas as coisas da gestão pública, já que esta
nunca estaria presente na ‘’praça pública’’(Ágora) exercendo diretamente sua
cidadania política. Isso porque os cidadãos têm outras preocupações mais, que
não exclusivamente, ou prioritariamente, as decisões políticas e a politica
propriamente dita.
Com isso, mesmo que o povo-eleitor veja o seu representante partir para caminhos diversos daqueles apresentados aos eleitores no período anterior ao do mandato, o povo poderia, dentro de sua própria avaliação, expressar-se no recall em relação à permanência, ou não, do seu governante-representante; desde que fossem respeitadas as leis e a Constituição (para o desrespeito desta e daquela, têm-se os institutos políticos e jurídicos do impedimento ou da cassação do mandato, dentre vários outros diplomas legais).
Com isso, mesmo que o povo-eleitor veja o seu representante partir para caminhos diversos daqueles apresentados aos eleitores no período anterior ao do mandato, o povo poderia, dentro de sua própria avaliação, expressar-se no recall em relação à permanência, ou não, do seu governante-representante; desde que fossem respeitadas as leis e a Constituição (para o desrespeito desta e daquela, têm-se os institutos políticos e jurídicos do impedimento ou da cassação do mandato, dentre vários outros diplomas legais).
Por conseguinte a instauração do recall somar-se-ia
aos demais instrumentos de freios e contrapesos na medida em que estabelece uma
nova atitude que qualifica a disputa eleitoral (sem excessos de demagogia,
manipulações – como se têm visto as democracias de massa) ao passo que dá ao
titular do poder político (povo) o instrumento legítimo de avaliação periódica
de seus representantes, que levariam a qualidade da democracia representativa a
patamares cada vez mais robustos e eficientes sem deixar o povo à mercê de, por
não raras vezes, escusos interesses pessoais e imorais de quem ocupa as
representações políticas em ambos os poderes (Legislativo ou Executivo). Pois
se o povo, em um momento, escolheu quem governaria por ser ele o titular do
poder, também deveria ele mesmo ter o poder de escolher quem não mais continuaria
a exercer o mandato - é uma questão de lógica
democrática.
Referências:
William
Junqueira Ramos. O instituto do recall ou revogação de mandatos
eletivos.
Disponível em: http://www.ambito juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2948
. Acesso em 08/04/2014.
Joaquim Leitão Júnior. O que se entende por recall no direito constitucional? Disponível em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1973937/o-que-se-entende-por-recall-no-direito-constitucional-joaquim-leitao-junior . Acesso em 08/04/2014.
Carlos
Góes. O que é pedalada fiscal? Um manual para não-economistas. Disponível em http://mercadopopular.org/2015/10/o-que-e-pedalada-fiscal-um-manual-para-nao-economistas/
. Acesso em 08/04/2014