domingo, 23 de fevereiro de 2014

O Trabalho Infantil na Revolução Industrial

O trabalho infantil, no período conhecido como Revolução Industrial, cria nas pessoas uma consternação enorme. Isso porque as historiografias que se dedicam a esse determinado período histórico, por vezes, ilustram a ideia de que a exploração do trabalho infantil é fruto unicamente da Revolução Industrial.

Um dos fundamentos básicos da ciência histórica atual é contextualizar os acontecimentos e tentar, ao máximo, aprofundar-se no tempo histórico em que os acontecimentos ocorreram, sem se deixar levar por anacronismos – enxergar um determinado acontecimento passado com os olhos de hoje. É infrutífero tecer críticas ao trabalho infantil na Revolução Industrial apoiando-se em valores da atualidade, tais como exploração do trabalho infantil.

É muito comum vermos na literatura que se dedica ao tema em questão, representações perversas de exploração de crianças no processo da Revolução Industrial. Essa visão exclui de suas análises um importante mecanismo científico: análise calcada dentro do processo histórico. Certa visão, que é inclusive partilhada por muitos, afirma que a exploração do trabalho infantil é condição sine qua non no processo de industrialização inglês, por exemplo. Nada seria mais fora de contexto do que afirmar isso.

É necessário, pois, ir e ‘’se imaginar’’ naquele tempo da Revolução Industrial para então termos uma visão mais esclarecedora de tal período. A maneira como as pessoas inglesas davam significado ao trabalho era fortemente influenciada pela religião oficial inglesa: o anglicanismo. Uma mistura de catolicismo (na organização da Igreja) e do protestantismo (no dogma da fé). O trabalho, na visão inglesa, não era uma penitência, e sim uma vocação. Isso tem impacto tão forte que a nobreza inglesa (gentry) ocupava boa parte de seu tempo com o trabalho, assim se opondo completamente as outras nobrezas de caráter católico na Europa, como a da França por exemplo.

O imaginário acerca do trabalho na Inglaterra, então, tinha uma noção de predestinação dada aos homens, isso é válido antes da Revolução Industrial e durante tal período analisado. Esclarecer isso é fundamental para que não causemos contradição nas análises. Obviamente que a inserção das máquinas e o ‘’boom’’ populacional das cidades mudaram profundamente as relações em determinadas áreas da vida humana daquele tempo. Mas como bem percebido por Fernand Braudel, o tempo em que ocorrem as mudanças na cultura ou no imaginário é ''quase perpétuo''. Portanto uma mudança no imaginário (subsidiado pela religiosidade) que construía um determinado significado do trabalho para os ingleses, não pode ser sinalizado em tão pouco tempo (período de industrialização intensa), analisado sob a ótica da cultura.

O que o parágrafo acima transparece é que existe uma questão que precisa ser respondida: como o trabalhador inglês viu esse processo ''revolucionário''? Certamente, aquela grande quantidade de indivíduos expulsos das terras comunais pelo aparato estatal da época viu-se em maus lençóis, e essa massa comporia uma boa parte da mão de obra nos momentos iniciais da industrialização. Aliás, é bom salientar que essa expulsão já nos dá um sintoma de que, já naquela época, os proprietários das indústrias fariam um conluio com a estrutura estatal vigente naquele momento para atender os seus interesses.

A pergunta feita no parágrafo acima deve ser respondida levando em consideração o imaginário e os valores culturais presentes nos populares em relação ao trabalho. Dado isso não encontramos naquela época valores morais, éticos ou quaisquer outros que sejam em relação à exploração do trabalho infantil, ou a exploração geral dos trabalhadores. O trabalho infantil existia de forma intensa no modo de sobrevivência camponesa e também no modo de sobrevivência industrial, não havendo sequer profundas mudanças culturais em relação ao trabalho em tais transições. Isso nos leva a inferir que a Revolução Industrial não é a causa da exploração do trabalho infantil, mas sim uma mudança das funções em relação aos trabalhos exercidos pelas crianças– antes funções de camponês e depois funções de indústria.  O trabalhador inglês não se viu explorado nem as famílias viram suas crianças serem exploradas, dentro de suas concepções próprias. O que esses trabalhadores viram foi um aumento populacional nas cidades depois de um tempo relativamente longo.

É necessário mergulharmos no contexto da Revolução Industrial para entendermos o por quê de se ter trabalho infantil. E mais além: quais eram as percepções culturais em relação às crianças naquela Inglaterra? Certamente não eram as que temos hoje. O que era ser criança no século XVIII Inglês? Tentar responder essa questão com premissas culturais atuais não é, de fato, o melhor caminho. O trabalho era assim tão abominável para as crianças inglesas do período aqui retratado? Se sim, o trabalho também era extremamente terrível nos campos da ordem antiga. Os trabalhadores que deixaram de ser camponeses estavam em piores condições nas fábricas do que se estivessem na ordem antiga? O crescimento populacional das cidades nos mostra que houve uma melhora nas condições de sobrevivência. Óbvio que a Revolução Industrial não foi um paraíso na terra, mas se comparada com a ordem antiga, houve, pelo menos, uma mínima melhora.

Por fim, a Revolução Industrial foi um movimento humano – processo que se estabeleceu dentro de um contexto histórico que o explica. Querer retirar esse processo de seu momento histórico é assassinar o método da História. Não se pode, nem se devem utilizar valores culturais estabelecidos em nossa atualidade para querer montar a Revolução Industrial como sendo um monstro abominável destruidor de trabalhadores indefesos. Salienta-se, concluindo, que é necessário mergulhar nos valores culturais do século XVIII para que se explique o fenômeno típico e específico da época em tela.

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