terça-feira, 11 de novembro de 2014

O LIBERALISMO E O GRANDE CAPITAL

Desde que os movimentos liberais ganharam força na Europa em meados do século XVIII e XIX, uma determinada visão historiográfica (até mesmo estabelecida) analisa a partir dessa possível hegemonia burguesa-liberal, os inúmeros acontecimentos no mundo ocidental como sendo resultados ou frutos diretos ou indiretos da herança deixada pelas ditas Revoluções Burguesas.

Em primeiro lugar é necessário colocar o liberalismo dentro do processo histórico ocidental. Isso quer dizer que ao olharmos para a longa trajetória dessa filosofia vamos perceber várias facetas liberais ao longo do tempo. Com efeito, esse reposicionamento de abordagem sobre a filosofia política aqui discutida, torna a análise mais complexa e mais fidedigna. É a partir daí que nem tudo que é moderno (a partir dos séculos XVII, XVIII e XIX) é liberal ou é burguês, muito pelo contrário: o liberalismo já esteve muitas vezes como uma visão política, econômica e social totalmente em posição de derrota; por muitas vezes esteve também na condição de radical oposição, e até mesmo herege.

Com o surgimento do grande capital em meados do fim do século XIX e durante toda a contemporaneidade, críticos da sociedade de mercado livre atribuíam ao liberalismo a culpa por ser ele a grande possibilidade para que ocorressem formação de carteis, oligopólios e monopólios. É inegável a existência dessas organizações econômicas durante o século XX e a atualidade, entretanto devemos questionar se realmente, antes do surgimento delas ou durante, não houve abandono dos princípios liberais e a consequente aliança entre capital privado e o Estado.

Baseados numa leitura puramente economicista da história, essa corrente nos legou a ideia de que uma sociedade de mercado aberto levaria fatalmente aos monopólios, aos oligopólios, aos carteis e a exclusão social por meio do aumento da diferença de renda entre acumuladores do capital e trabalhadores. O que essa corrente construiu acerca do liberalismo foi um erro drástico quanto ao que ele é de fato; houve negligência dessa corrente ao analisar o fato de que durante o século XIX e XX o crescimento do Estado e sua consequente intervenção na ordem econômica são o que caracterizaram a organização da política e da economia em grandes capitais corporativos.

A partir dessa visão da história, os críticos do grande capital tentam o tempo todo colar a pecha de que os liberais são defensores das corporações que aí estão, constroem uma imagem de que ser liberal é ser pró-empresa, quando na verdade ser liberal é ser pró-liberdade de mercado e liberdades individuais, e não há organização mais antiliberal do que as corporações que se aliam à máquina estatal.

Por sua vez, os programas, em tese, liberalizantes durante a década de 90 no Brasil foram o suficiente para que os seguidores brasileiros dessa corrente entendessem que o governo de FHC era única e exclusivamente orientado pelo ideal liberal, o que não é verdade se analisarmos que a intervenção do Estado na economia não foi reduzida significativamente e que as privatizações foram transferências de empresas estatais para, veja bem, corporações. Não se pode esquecer, ainda, que muitas privatizações tiveram a participação de dinheiro público na jogada, por meio do BNDES. Ora, de fato ocorreram privatizações, mas tais medidas foram liberais ou foram corporativistas? Nem toda privatização é liberalizante, isto é: liberal. Houve um processo questionável de leilão e após isso, a instituição de agências regulamentadoras que foram elaboradas de tal maneira que as corporações as capturaram e criaram inúmeras barreiras para novos players entrarem no mercado, ficando assim em uma confortável posição de baixíssima concorrência.  O Brasil, então, desvencilhava-se em parte de 60 anos do ideário desenvolvimentista (sem romper totalmente, é claro) e passava a ser uma economia de ordem corporativista, com um grau de estatismo ainda reinante.

Diante disso, fica clara a posição liberal em relação ao grande capital. Uma ordem econômica baseada no estatismo agressivo gera uma organização corporativista da economia, o que por sua vez denota as relações espúrias entre as corporações e empresas protegidas e o Estado. Isso por sua vez prejudica diretamente ou indiretamente aqueles setores da economia que são pouco regulados e sofrem pouca intervenção estatal, justamente porque esse arranjo de Estado, empresas e corporações necessita de um Estado inchado, e para mantê-lo é necessária uma cobrança agressiva de impostos, que recaem mais intensamente naqueles que detêm menos capital – sejam indivíduos ou pequenas e médias empresas.

Portanto, é necessário que se desvincule o grande capital do ideário liberal, uma vez que o grande capital só é possível em um sistema antiliberal, estatista e corporativista, sendo dificilmente possível uma acumulação de capital, em uma genuína sociedade de mercado, aos níveis que ocorrem no arranjo estatista, que, diga-se de passagem, é o atual sistema. Por fim, a culpa pela má distribuição de renda e a acumulação de capital na atualidade é justamente, em grande parte, daqueles que afirmam lutar contra o grande capital, colocando no Estado a obrigação de aumentar o nível de estatismo da economia. O paradoxo é assim o grande fardo da esquerda e das visões estatistas, por ora não assumido por elas mesmas.