Desde que os movimentos liberais
ganharam força na Europa em meados do século XVIII e XIX, uma determinada visão
historiográfica (até mesmo estabelecida) analisa a partir dessa possível
hegemonia burguesa-liberal, os inúmeros acontecimentos no mundo ocidental como
sendo resultados ou frutos diretos ou indiretos da herança deixada pelas ditas
Revoluções Burguesas.
Em primeiro lugar é necessário colocar
o liberalismo dentro do processo histórico ocidental. Isso quer dizer que ao
olharmos para a longa trajetória dessa filosofia vamos perceber várias facetas
liberais ao longo do tempo. Com efeito, esse reposicionamento de abordagem
sobre a filosofia política aqui discutida, torna a análise mais complexa e mais
fidedigna. É a partir daí que nem tudo que é moderno (a partir dos séculos XVII,
XVIII e XIX) é liberal ou é burguês, muito pelo contrário: o liberalismo já
esteve muitas vezes como uma visão política, econômica e social totalmente em
posição de derrota; por muitas vezes esteve também na condição de radical
oposição, e até mesmo herege.
Com o surgimento do grande capital em
meados do fim do século XIX e durante toda a contemporaneidade, críticos da
sociedade de mercado livre atribuíam ao liberalismo a culpa por ser ele a grande
possibilidade para que ocorressem formação de carteis, oligopólios e
monopólios. É inegável a existência dessas organizações econômicas durante o
século XX e a atualidade, entretanto devemos questionar se realmente, antes do
surgimento delas ou durante, não houve abandono dos princípios liberais e a
consequente aliança entre capital privado e o Estado.
Baseados numa leitura puramente
economicista da história, essa corrente nos legou a ideia de que uma sociedade
de mercado aberto levaria fatalmente aos monopólios, aos oligopólios, aos
carteis e a exclusão social por meio do aumento da diferença de renda entre
acumuladores do capital e trabalhadores. O que essa corrente construiu acerca
do liberalismo foi um erro drástico quanto ao que ele é de fato; houve
negligência dessa corrente ao analisar o fato de que durante o século XIX e XX
o crescimento do Estado e sua consequente intervenção na ordem econômica são o
que caracterizaram a organização da política e da economia em grandes capitais
corporativos.
A partir dessa visão da história, os
críticos do grande capital tentam o tempo todo colar a pecha de que os liberais
são defensores das corporações que aí estão, constroem uma imagem de que ser
liberal é ser pró-empresa, quando na verdade ser liberal é ser pró-liberdade de
mercado e liberdades individuais, e não há organização mais antiliberal do que
as corporações que se aliam à máquina estatal.
Por sua vez, os programas, em tese,
liberalizantes durante a década de 90 no Brasil foram o suficiente para que os
seguidores brasileiros dessa corrente entendessem que o governo de FHC era
única e exclusivamente orientado pelo ideal liberal, o que não é verdade se
analisarmos que a intervenção do Estado na economia não foi reduzida
significativamente e que as privatizações foram transferências de empresas
estatais para, veja bem, corporações. Não se pode esquecer, ainda, que muitas
privatizações tiveram a participação de dinheiro público na jogada, por meio do
BNDES. Ora, de fato ocorreram privatizações, mas tais medidas foram liberais ou
foram corporativistas? Nem toda privatização é liberalizante, isto é: liberal.
Houve um processo questionável de leilão e após isso, a instituição de agências
regulamentadoras que foram elaboradas de tal maneira que as corporações as
capturaram e criaram inúmeras barreiras para novos players entrarem no mercado,
ficando assim em uma confortável posição de baixíssima concorrência. O Brasil, então, desvencilhava-se em parte de
60 anos do ideário desenvolvimentista (sem romper totalmente, é claro) e
passava a ser uma economia de ordem corporativista, com um grau de estatismo
ainda reinante.
Diante disso, fica clara a posição
liberal em relação ao grande capital. Uma ordem econômica baseada no estatismo
agressivo gera uma organização corporativista da economia, o que por sua vez
denota as relações espúrias entre as corporações e empresas protegidas e o
Estado. Isso por sua vez prejudica diretamente ou indiretamente aqueles setores
da economia que são pouco regulados e sofrem pouca intervenção estatal,
justamente porque esse arranjo de Estado, empresas e corporações necessita de
um Estado inchado, e para mantê-lo é necessária uma cobrança agressiva de
impostos, que recaem mais intensamente naqueles que detêm menos capital – sejam
indivíduos ou pequenas e médias empresas.
Portanto, é necessário que se
desvincule o grande capital do ideário liberal, uma vez que o grande capital só
é possível em um sistema antiliberal, estatista e corporativista, sendo
dificilmente possível uma acumulação de capital, em uma genuína sociedade de
mercado, aos níveis que ocorrem no arranjo estatista, que, diga-se de passagem,
é o atual sistema. Por fim, a culpa pela má distribuição de renda e a
acumulação de capital na atualidade é justamente, em grande parte, daqueles que
afirmam lutar contra o grande capital, colocando no Estado a obrigação de
aumentar o nível de estatismo da economia. O paradoxo é assim o grande fardo da
esquerda e das visões estatistas, por ora não assumido por elas mesmas.