quarta-feira, 28 de maio de 2014

ESTATISMO VERDE E AMARELO

Com a Revolução de 1930 o Brasil passou a experimentar um novo tipo de Estado – diferente do que vigorava na Primeira República, calcado em um arranjo institucional específico. O líder da Revolução – Getúlio Vargas implantou um sistema de expansão estatal com a criação de vários órgãos em diferentes regiões do país, excluiu o federalismo com base em um centralismo político no Executivo Federal.

Tem se falado muito do arranjo econômico que fora implantado por Vargas durante seus governos, marcadamente nacional-estatista ou nacional-desenvolvimentista. Esse arranjo engloba algumas visões que são postas em práticas no período getulista, a saber: intervencionismo pró-desenvolvimento, nacionalismo, estado como agente econômico, positivismo e defesa da indústria sem excluir o setor agrário. Os resultados econômicos de exponencial crescimento criado por esse nacional-desenvolvimentismo o legitimou como modelo viável para o Brasil, não só isso como também a extenuante prática de propaganda e investimento no simbólico em defesa desse arranjo de política econômica, criou um imaginário social acerca da potência desse modelo.

Mas para que o nacional-desenvolvimentismo fosse posto em prática era necessário um arranjo institucional específico para esse fim. Pode-se caracterizar esse desenho institucional possuindo três matizes: o corporativismo sindical, o radicalismo plebiscitário do presidencialismo e o consorciativismo.  Essa tríade permitiu um controle dos trabalhadores de acordo com o desejo do governo – ainda que criasse benefícios como as leis trabalhistas, permitiu o aumento do Estado e possibilitou também um aumento de cargos para que determinadas demandas de vários grupos sociais fossem ‘’domesticados’’. Para, além disso, Vargas trouxe para a órbita do Estado inúmeros intelectuais que dessem sentido e legitimassem o então atual governo.

O autoritarismo estava em voga, como ideia, desde o Crash de 1929 na bolsa de valores dos EUA, o liberalismo econômico era bombardeado por todos os lados e surgia em terras brasileiras desde a década de 20 o ‘’pensamento autoritário’’, que entendia que o sistema de democracia liberal era o grande vilão da vez. Após a derrubada das oligarquias do poder em 1930 começa-se a operacionalização desse pensamento como prática política, que vai de fato se tornar consistente em 1937 com o Golpe do Estado Novo.

Com a entrada do Brasil na 2º Guerra Mundial o panorama de crítica ao modelo getulista toma formas diferentes e vários grupos começam a questionar o fato de o Brasil que mais se parecia com os regimes nazifascistas lutar ao lado de países democráticos. Os valores democráticos e liberais retomam com força nesse cenário de guerra, e o governo de Vargas é então deposto em 1945. Entretanto, a ideia estatista já havia criado raízes que só aprofundariam com o passar do tempo e que foram reforçadas por governos posteriores, tendo destaque o governo de JK. A propaganda em relação ao estado como interventor/agente econômico e os altos índices de crescimento no período em que se instalou o nacional-estatismo fez criar um imaginário social muito forte favorável ao modelo estatista, em vários setores da sociedade.

Fato é que a derrubada de Vargas não é a derrubada do estatismo. A partir de 1946 o Brasil entrou em uma república democrática, tendo até a queda dos militares, que derrubaram a democracia em 1964, governos desenvolvimentistas. Após o período dos militares (1964-1985) a herança estatista era nítida e nenhum governo dos anos 1990 conseguiria romper satisfatoriamente como esse modelo. A grande questão é que aquele arranjo institucional de que havia falado anteriormente – consorciativismo e plebiscitarismo foram só tomando consistência após sua implantação. O corporativismo sindical foi relativamente flexibilizado pela Constituição de 1988 que não cabe aqui uma descrição mais detalhada.

Aqui chegamos ao grande problema institucional do qual o texto pretende identificar e caracterizar. O consorciativismo e o presidencialismo plebiscitário foram as duas heranças que marcam ainda hoje a conjuntura política nacional. Isso porque o consorciativismo que é a prática de representação de vários interesses é ligado ao plebiscitarismo que faz com que o chefe do Executivo Nacional crie cargos, ministérios, secretarias... Para abranger e conseguir governabilidade, pois sem uma base de apoio o Presidente não consegue governar.

Em termos práticos, na democracia atual é necessário que se faça um presidencialismo de coalizão, isto em um sistema multipartidário como o Brasileiro quer dizer que o Presidente eleito deve negociar cargos e prebendas com aqueles que lhe deram apoio e recursos. Durante o governo de FHC, este não recorreu muito ao plebiscitarismo justamente porque existia uma voz rouca das ruas em relação ao seu governo e porque também esse político tinha uma personalidade de negociação bastante efetiva devido a sua própria carreira política, além de obter um apoio parlamentar até então nunca obtido por outro presidente.

Ainda sim, foi necessário uma coalização entre PSDB, PFL e mais outros partidos de menor peso. Resistia ainda, dentro do próprio governo FHC a visão desenvolvimentista - especificamente dentro do BNDES, que criticava o governo por agir só em torno da estabilização econômica e não dar atenção ao crescimento. Para negociar com esse grupo, FHC criou o Ministério do Planejamento em uma tática recorrente de plebiscitarismo e consorciativismo.

O governo de FHC é tido como reformista justamente por questionar o desgaste de 60 anos de nacional-estatismo vigorando no Brasil. As reformas ditas neoliberais de privatização e diminuição do Estado não foram suficientes e por vezes só colocaram um remendo no já desgastado modelo estatista de desenvolvimentismo, como por exemplo, a criação de agências regulamentadoras que acabam por fomentar o oligopólio e as simples concessões de exploração que naturalmente ficam disponíveis a grupos com conexões políticas.

Portanto, o governo de FHC não impôs reformas com o objetivo de romper consistentemente com o modelo estatista. Mas não se pode questionar também a importância de algumas dessas reformas liberalizantes para a estabilização e desenvolvimento econômico e social.

Depois do tempo de FHC, com a gestão do PT - Partidos dos Trabalhadores a frente do Executivo Nacional, temos visto uma reformulação clara e aberta, por parte de seus defensores, de um neo-desenvolvimentismo focado na distribuição de renda, fator do qual, aliás, o desenvolvimentismo tradicional fracassou totalmente. Outra característica é a retomada do plebiscitarismo por parte do Presidente Lula e a intensificação do consorciativismo que resultam no inchaço do atual Estado brasileiro e da informal dependência do Legislativo ao Executivo.

Portanto, desde 1930 o estatismo conseguiu fincar raízes no Brasil como modelo bem sucedido de política econômica e arranjo institucional. A propaganda encima disso, o crescimento e os benefícios gerados em curto prazo tem resultado na criação de uma cultura política brasileira – tanto nas elites políticas como na maioria da população, estatista. Obviamente que o autoritarismo não tem apoio significativo nos dias de hoje como obtivera em outrora, mas a democracia brasileira demonstrou perfeitamente que ela não é antagônica a uma teoria de Estado nacional-estatista. Destarte, a permanência do estatismo econômico social e político no Brasil, mesmo que reformulado no discurso e na prática, está diretamente ligado à cultura política brasileira e a seu respectivo imaginário social acerca do Estado. 

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