Com a Revolução de 1930
o Brasil passou a experimentar um novo tipo de Estado – diferente do que
vigorava na Primeira República, calcado em um arranjo institucional específico.
O líder da Revolução – Getúlio Vargas implantou um sistema de expansão estatal
com a criação de vários órgãos em diferentes regiões do país, excluiu o
federalismo com base em um centralismo político no Executivo Federal.
Tem se falado muito do
arranjo econômico que fora implantado por Vargas durante seus governos,
marcadamente nacional-estatista ou nacional-desenvolvimentista. Esse arranjo
engloba algumas visões que são postas em práticas no período getulista, a
saber: intervencionismo pró-desenvolvimento, nacionalismo, estado como agente
econômico, positivismo e defesa da indústria sem excluir o setor agrário. Os
resultados econômicos de exponencial crescimento criado por esse nacional-desenvolvimentismo
o legitimou como modelo viável para o Brasil, não só isso como também a
extenuante prática de propaganda e investimento no simbólico em defesa desse
arranjo de política econômica, criou um imaginário social acerca da potência
desse modelo.
Mas para que o
nacional-desenvolvimentismo fosse posto em prática era necessário um arranjo
institucional específico para esse fim. Pode-se caracterizar esse desenho
institucional possuindo três matizes: o corporativismo sindical, o radicalismo
plebiscitário do presidencialismo e o consorciativismo. Essa tríade permitiu um controle dos
trabalhadores de acordo com o desejo do governo – ainda que criasse benefícios
como as leis trabalhistas, permitiu o aumento do Estado e possibilitou também um
aumento de cargos para que determinadas demandas de vários grupos sociais
fossem ‘’domesticados’’. Para, além disso, Vargas trouxe para a órbita do
Estado inúmeros intelectuais que dessem sentido e legitimassem o então atual
governo.
O autoritarismo estava
em voga, como ideia, desde o Crash de 1929 na bolsa de valores dos EUA, o
liberalismo econômico era bombardeado por todos os lados e surgia em terras brasileiras
desde a década de 20 o ‘’pensamento autoritário’’, que entendia que o sistema
de democracia liberal era o grande vilão da vez. Após a derrubada das
oligarquias do poder em 1930 começa-se a operacionalização desse pensamento
como prática política, que vai de fato se tornar consistente em 1937 com o
Golpe do Estado Novo.
Com a entrada do Brasil
na 2º Guerra Mundial o panorama de crítica ao modelo getulista toma formas
diferentes e vários grupos começam a questionar o fato de o Brasil que mais se
parecia com os regimes nazifascistas lutar ao lado de países democráticos. Os
valores democráticos e liberais retomam com força nesse cenário de guerra, e o
governo de Vargas é então deposto em 1945. Entretanto, a ideia estatista já
havia criado raízes que só aprofundariam com o passar do tempo e que foram
reforçadas por governos posteriores, tendo destaque o governo de JK. A propaganda
em relação ao estado como interventor/agente econômico e os altos índices de crescimento
no período em que se instalou o nacional-estatismo fez criar um imaginário
social muito forte favorável ao modelo estatista, em vários setores da
sociedade.
Fato é que a derrubada
de Vargas não é a derrubada do estatismo. A partir de 1946 o Brasil entrou em
uma república democrática, tendo até a queda dos militares, que derrubaram a
democracia em 1964, governos desenvolvimentistas. Após o período dos militares
(1964-1985) a herança estatista era nítida e nenhum governo dos anos 1990
conseguiria romper satisfatoriamente como esse modelo. A grande questão é que
aquele arranjo institucional de que havia falado anteriormente –
consorciativismo e plebiscitarismo foram só tomando consistência após sua
implantação. O corporativismo sindical foi relativamente flexibilizado pela
Constituição de 1988 que não cabe aqui uma descrição mais detalhada.
Aqui chegamos ao grande
problema institucional do qual o texto pretende identificar e caracterizar. O
consorciativismo e o presidencialismo plebiscitário foram as duas heranças que
marcam ainda hoje a conjuntura política nacional. Isso porque o
consorciativismo que é a prática de representação de vários interesses é ligado
ao plebiscitarismo que faz com que o chefe do Executivo Nacional crie cargos,
ministérios, secretarias... Para abranger e conseguir governabilidade, pois sem
uma base de apoio o Presidente não consegue governar.
Em termos práticos, na
democracia atual é necessário que se faça um presidencialismo de coalizão, isto
em um sistema multipartidário como o Brasileiro quer dizer que o Presidente
eleito deve negociar cargos e prebendas com aqueles que lhe deram apoio e
recursos. Durante o governo de FHC, este não recorreu muito ao plebiscitarismo
justamente porque existia uma voz rouca das ruas em relação ao seu governo e
porque também esse político tinha uma personalidade de negociação bastante
efetiva devido a sua própria carreira política, além de obter um apoio
parlamentar até então nunca obtido por outro presidente.
Ainda sim, foi necessário
uma coalização entre PSDB, PFL e mais outros partidos de menor peso. Resistia
ainda, dentro do próprio governo FHC a visão desenvolvimentista - especificamente
dentro do BNDES, que criticava o governo por agir só em torno da estabilização econômica
e não dar atenção ao crescimento. Para negociar com esse grupo, FHC criou o
Ministério do Planejamento em uma tática recorrente de plebiscitarismo e
consorciativismo.
O governo de FHC é tido
como reformista justamente por questionar o desgaste de 60 anos de
nacional-estatismo vigorando no Brasil. As reformas ditas neoliberais de
privatização e diminuição do Estado não foram suficientes e por vezes só
colocaram um remendo no já desgastado modelo estatista de desenvolvimentismo,
como por exemplo, a criação de agências regulamentadoras que acabam por
fomentar o oligopólio e as simples concessões de exploração que naturalmente
ficam disponíveis a grupos com conexões políticas.
Portanto, o governo de
FHC não impôs reformas com o objetivo de romper consistentemente com o modelo
estatista. Mas não se pode questionar também a importância de algumas dessas
reformas liberalizantes para a estabilização e desenvolvimento econômico e
social.
Depois do tempo de FHC,
com a gestão do PT - Partidos dos Trabalhadores a frente do Executivo Nacional,
temos visto uma reformulação clara e aberta, por parte de seus defensores, de
um neo-desenvolvimentismo focado na distribuição de renda, fator do qual,
aliás, o desenvolvimentismo tradicional fracassou totalmente. Outra característica
é a retomada do plebiscitarismo por parte do Presidente Lula e a intensificação
do consorciativismo que resultam no inchaço do atual Estado brasileiro e da
informal dependência do Legislativo ao Executivo.
Portanto, desde 1930 o
estatismo conseguiu fincar raízes no Brasil como modelo bem sucedido de
política econômica e arranjo institucional. A propaganda encima disso, o
crescimento e os benefícios gerados em curto prazo tem resultado na criação de
uma cultura política brasileira – tanto nas elites políticas como na maioria da
população, estatista. Obviamente que o autoritarismo não tem apoio significativo
nos dias de hoje como obtivera em outrora, mas a democracia brasileira demonstrou
perfeitamente que ela não é antagônica a uma teoria de Estado nacional-estatista.
Destarte, a permanência do estatismo econômico social e político no Brasil, mesmo
que reformulado no discurso e na prática, está diretamente ligado à cultura
política brasileira e a seu respectivo imaginário social acerca do Estado.
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