Durante a década de 90 o
liberalismo, junto com as ideias de livre mercado e defesas das liberdades
individuais, experimentou uma séria crise de legitimidade em parte do mundo
ocidental; especificamente no Brasil, essas ideias passaram por um processo de
particularidade que envolvia as privatizações e certa ‘’liberalização da
economia’’. Muitos intelectuais e analistas da época e até mesmo hoje diziam ou
dizem que tais mudanças estavam ocorrendo devido ao ideário ‘’neoliberal’’,
ainda que muitos autores que tenham escrito e supostamente guiado os governos
da época a realizarem tais medidas nunca tenham citado em suas obras o termo
‘’neoliberalismo’’.
Fato é que as privatizações
ocorridas no Brasil não foram como muitos dizem estritamente liberais. Porque
somente privatização não é uma cartilha defendida pelos liberais, é muito mais do
que isso: é privatização, redução das regulamentações, redução exponencial dos
impostos, redução exponencial da burocracia, criação de um ambiente propício
aos negócios, livre concorrência e extinção dos benefícios que são criados
entre grandes empresas/empresários e o Estado/governo.
Mas como as ideias e análises
dos intelectuais são fortemente difundidas para outros espaços de socialização
política, tais como a TV, o rádio, as escolas, os livros... E havia um consenso
entre a intelectualidade de que o quê estava ocorrendo no Brasil era o
liberalismo em sua face mais radical ou intensa, essa pecha pegou e ainda hoje
é utilizada como instrumento para explicar a década de 90 brasileira.
A intelectualidade,
portanto, colocou como fardo as privatizações encima do programa ‘’neoliberal’’, isto quer dizer que o modo como as privatizações ocorreram
foi decorrência de uma ‘’ideologia dominante liberal’’. Mas existe aí um
paradoxo: as nossas privatizações não foram liberalizantes, foram antes
de qualquer coisa um repasse de empresas que eram propriedades do Estado para
grandes grupos corporativistas (com ajuda do BNDES, não é necessário falar
muito sobre o tanto que essa prática é antiliberal), além de manter tais
setores econômicos em uma rígida regulamentação e não permitir neles a livre
concorrência por meio de inúmeras leis que burocratizam os setores e as agências
reguladoras com suas normas que encarecem, desestimulam novos players e
favorecem a compra de favores (corrupção) e ainda permitem sua captura pelos
grandes players beneficiados pela alta regulamentação, fazendo com que os
arcabouços jurídico e institucional pós década de 90 fossem utilizados para
interesses privados das corporações.
Logo, não entramos a partir
da década de 90 em uma sociedade de mercado. Foi criada, sim, uma sociedade de
corporações que é antagônica a uma sociedade de livre mercado. O fato de
percebermos algumas empresas privadas em determinados setores regulamentados,
não quer dizer que exista livre concorrência nos moldes liberais ou a uma
organização econômica de livre mercado, apesar de esse modelo ser, em termos práticos, mais vantajoso para a sociedade do que o monopólio estatal. Os
setores com mínima interferência estatal em nossa sociedade de corporações são
os mais prejudicados por esse arranjo, uma vez que são eles quem não detêm
recursos financeiros e políticos para barganharem os benefícios dados pelo
Estado.
Os impostos, então, ‘’lascam
o couro’’ daqueles que estão de fato em um mercado mais livre: os pequenos
empresários, os pequenos lojistas, os médios empresários, e num todo, a
população que sofre com altas cargas tributárias, protecionismo econômico das grandes
indústrias que com isso não precisam se preocupar em competir com produtos
importados, que por serem muitas vezes melhores, conseguem mais demanda por
parte dos consumidores. Os consumidores de baixa renda e os empresários que não
se encontram na órbita do Estado, ficam a mercê de uma indústria pouco
produtiva e que pouco inova e que coloca no mercado produtos ‘‘arcaicos’’ e com
preços exorbitantes.
Seria tudo isso um governo
‘’neoliberal’’ ou uma sociedade de mercado? Seria um arranjo que beneficia oligopólios
protegidos por lei e que impede a livre concorrência em determinados setores,
gerando uma acumulação de capital em sua maior parte advinda de impostos e
benefícios estatais (e não de produção e atendimento a demanda) arrancados de
pequenos empresários e principalmente da população de baixa renda um arranjo
liberal? O que seria mais prudente: mais
regulamentação como a esquerda deseja, ou mais liberalização de mercado como
aconselha o ideário liberal? Ora, como nosso problema pode ser o liberalismo se
nós temos uma sociedade de corporações que é antiliberal?
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