sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O Próximo Governo Dilma: O Brasil Entre a Cruz e a Espada

Controlar a base aliada neste mandato vai ser a coisa mais difícil para a Dilma, pelo seu número de legendas e pela própria conjuntura pós-eleitoral em que foi reeleita por um triz (3,5 milhões de votos de diferença). Isso diminui exponencialmente o capital político da Dilma e do seu partido, ocasionando um espectro de ação dos atores políticos do Executivo em que cabe a eles mais ceder do que ganhar nas negociações de interesses conflitantes, o que parece ser os próximos quatro anos.
E não vai adiantar liberação de verbas e nomeação de ministérios, as reformas propostas pela Presidente vão de encontro a interesses representados na câmara alta (Senado) e na câmara baixa (Câmara de Deputados). Ao que parece, nesses próximos quatro anos o Executivo não vai conseguir, de forma eficaz, impor sua agenda ao Legislativo por meios tradicionais como as medidas provisórias e a liberação de verbas de emendas parlamentares, fazendo com que o Parlamento brasileiro seja o fiel da balança. Justamente, porque a Dilma quer ultrapassar limites institucionais ao propor reformas que não cabem a ela fazer e sim ao Congresso Nacional.
O momento parece-se muito com o ano de 1964 se analisarmos as relações entre Executivo e Congresso. Um Congresso reativo às reformas propostas pelo Executivo e este desejando que as reformas saiam e para isso aumentam o tom do discurso gradualmente. O que faz a oposição congressista também reagir aumentando seu tom.
Logo, podemos chegar a 2018 com as instituições fortalecidas caso esses atores respeitem os limites institucionais dos poderes e que possam fazer as reformas dentro das praxis institucionais. Caso os atores não entrem nos mecanismos de perdas e compensações característicos de culturas políticas institucionalistas, as instituições podem se enfraquecer e consequentemente intensificar ainda mais a nossa cultura política personalista.

Portanto, a chave do jogo para que as instituições saiam fortalecidas é seguir hierarquicamente os três pilares seguintes: conservar, transmitir e reformar, a reforma não deve ser de forma a romper e sim feita sob as partes deficientes, sendo feita com prudência e respeitando os aspectos institucionais para que as diversas demandas da sociedade possam estar ali representadas no âmbito institucional dos mecanismos negociais de perdas e compensações e evitando assim ações de grupos revolucionários ou golpistas que optam por vias violentas anti-institucionais. Pois, esses últimos emergem, e não unicamente por isso, quando as institucionalidades se encontram enfraquecidas - sejam movimentos de esquerda ou movimentos de direita. E é por isso mesmo que o Brasil se encontra entre a Cruz (continuidade institucional com reformas prudentes) e a Espada (ruptura institucional, por meio de reformas imprudentes e um futuro institucional incerto e imprevisível). 

domingo, 26 de outubro de 2014

A Virtude da Livre Iniciativa

A livre iniciativa tem sido historicamente colocada no âmbito econômico, como fenômeno executado pelos agentes econômicos ou por indivíduos que empreendem em busca do lucro. Entretanto, a livre iniciativa é muito mais complexa do que isso, como é demonstrado neste texto.

A livre iniciativa só pode realmente existir se houver um ambiente propício para tal. Duas frentes permitem esse ambiente propício, a saber: um arranjo institucional-legal que garanta a liberdade individual e econômica e uma consciência, nos membros da sociedade, sobre a importância da livre iniciativa.

A respeito do arranjo institucional-legal, esse quesito se caracteriza pelas institucionalidades liberais que visam garantir o direito de propriedade, o mínimo aceitável de regulação ou nenhuma regulamentação, mínima burocracia, ausência ou pouca intervenção estatal nas relações humanas, baixos custos para a consolidação de iniciativas tanto econômicas quanto em outras áreas da vida humana: filantropia, associações, entidades não lucrativas... O sistema político, ordenamento institucional, tem sua importância para o tema aqui retratado, pois as instituições detêm o poder político de impor regras e com o uso da força fiscalizar suas aplicações. Diante disso, a maneira como as instituições políticas se relacionam com a sociedade determina os custos da livre inciativa, mas não só custos financeiros como também custos pessoais, e com isso pode vim a determinar a quantidade de empreendimentos lucrativos ou não na sociedade e os seus respectivos impactos positivos para à coletividade.

A livre inciativa é uma ação individual ou de indivíduos livremente organizados a fim de se atingir objetivos, quais sejam os mais variados possíveis – econômicos, financeiros, caridade, social, educacional, saúde, cidadania, etc. Liberdade de agir individualmente ou em grupo, marca mais importante da livre iniciativa, pressupõe responsabilidade pelas escolhas tomadas e ações executadas dos agentes. Se os indivíduos se encontram em um ambiente institucional que trava a livre inciativa, seja do ponto de vista econômico quando se aumenta os custos financeiros ou do ponto de vista do cerceamento das liberdades individuais, a livre iniciativa dificilmente se tornará consistente.

Um ambiente institucional liberal que estimule a livre inciativa e puna eficazmente a violação de direitos por meio de normas e regras jurídicas, isto é: que não impõe custos que impossibilitam a livre iniciativa e garanta o cumprimento das regras para evitar fraudes é o melhor sistema político para a sociedade como um todo, como bem tem demonstrado a história de Estados e países que optaram por tal organização institucional em diversos níveis, que podem ser medidos e analisados os resultados do grau de institucionalidades liberais existentes ou sua ausência. Isso porque a responsabilidade pelos erros ou acertos recai exclusivamente sobre aqueles que iniciam um empreendimento, seja ele com objetivos lucrativos ou não.

Caso haja prejuízos a terceiros – quaisquer que sejam, as instituições devem possuir um conjunto de normas e regras jurídicas para que se possam punir e obrigar o ressarcimento de eventuais danos causados. O contrário da livre inciativa são as ações estatais, que fundamentalmente são centralizadas e financiadas com o dinheiro advindo da coleta de impostos retirados da sociedade e os erros mais frequentes do que os acertos dessas ações recaem nas costas da mesma. Além disso, as ações estatais são caracterizadas pela coerção, não tendo como indivíduos ou parte da sociedade se esquivar delas e às vezes impedir tal ação - temos como exemplo disso as desapropriações para construção de obras estatais e a alta cobrança de impostos para financiar ações estatais. O contrário disso é a livre inciativa, que se caracteriza pela livre relação entre indivíduos e dinâmica voluntária dos membros envolvidos em diversas ações e empreendimentos descentralizados.

Portanto, um arranjo institucional que não imponha barreiras econômicas, financeiras e custos pessoais à livre associação junto à livre iniciativa gera uma dinâmica mais eficaz no combate aos problemas sociais que aparecem nas relações da sociedade. Isso porque a busca pelo lucro ou o desejo pela filantropia em um ambiente de liberdade de ação garantida, é constituído pela ação voluntária de indivíduos e responsabilidade exclusiva dos agentes que iniciam e mantém os mais variados projetos com seus objetivos específicos, não recaindo os possíveis erros e custos em toda a sociedade, e em contrapartida são institucionalmente garantidos os méritos das escolhas e das ações devidamente acertadas e seus respectivos ganhos, que neste caso tem impactos positivos na sociedade. 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Década de 90: Liberalismo ou Corporativismo Antiliberal?

Durante a década de 90 o liberalismo, junto com as ideias de livre mercado e defesas das liberdades individuais, experimentou uma séria crise de legitimidade em parte do mundo ocidental; especificamente no Brasil, essas ideias passaram por um processo de particularidade que envolvia as privatizações e certa ‘’liberalização da economia’’. Muitos intelectuais e analistas da época e até mesmo hoje diziam ou dizem que tais mudanças estavam ocorrendo devido ao ideário ‘’neoliberal’’, ainda que muitos autores que tenham escrito e supostamente guiado os governos da época a realizarem tais medidas nunca tenham citado em suas obras o termo ‘’neoliberalismo’’.

Fato é que as privatizações ocorridas no Brasil não foram como muitos dizem estritamente liberais. Porque somente privatização não é uma cartilha defendida pelos liberais, é muito mais do que isso: é privatização, redução das regulamentações, redução exponencial dos impostos, redução exponencial da burocracia, criação de um ambiente propício aos negócios, livre concorrência e extinção dos benefícios que são criados entre grandes empresas/empresários e o Estado/governo.

Mas como as ideias e análises dos intelectuais são fortemente difundidas para outros espaços de socialização política, tais como a TV, o rádio, as escolas, os livros... E havia um consenso entre a intelectualidade de que o quê estava ocorrendo no Brasil era o liberalismo em sua face mais radical ou intensa, essa pecha pegou e ainda hoje é utilizada como instrumento para explicar a década de 90 brasileira. 

A intelectualidade, portanto, colocou como fardo as privatizações encima do programa ‘’neoliberal’’, isto quer dizer que o modo como as privatizações ocorreram foi decorrência de uma ‘’ideologia dominante liberal’’. Mas existe aí um paradoxo: as nossas privatizações não foram liberalizantes, foram antes de qualquer coisa um repasse de empresas que eram propriedades do Estado para grandes grupos corporativistas (com ajuda do BNDES, não é necessário falar muito sobre o tanto que essa prática é antiliberal), além de manter tais setores econômicos em uma rígida regulamentação e não permitir neles a livre concorrência por meio de inúmeras leis que burocratizam os setores e as agências reguladoras com suas normas que encarecem, desestimulam novos players e favorecem a compra de favores (corrupção) e ainda permitem sua captura pelos grandes players beneficiados pela alta regulamentação, fazendo com que os arcabouços jurídico e institucional pós década de 90 fossem utilizados para interesses privados das corporações.

Logo, não entramos a partir da década de 90 em uma sociedade de mercado. Foi criada, sim, uma sociedade de corporações que é antagônica a uma sociedade de livre mercado. O fato de percebermos algumas empresas privadas em determinados setores regulamentados, não quer dizer que exista livre concorrência nos moldes liberais ou a uma organização econômica de livre mercado, apesar de esse modelo ser, em termos práticos, mais vantajoso para a sociedade do que o monopólio estatal.  Os setores com mínima interferência estatal em nossa sociedade de corporações são os mais prejudicados por esse arranjo, uma vez que são eles quem não detêm recursos financeiros e políticos para barganharem os benefícios dados pelo Estado.

Os impostos, então, ‘’lascam o couro’’ daqueles que estão de fato em um mercado mais livre: os pequenos empresários, os pequenos lojistas, os médios empresários, e num todo, a população que sofre com altas cargas tributárias, protecionismo econômico das grandes indústrias que com isso não precisam se preocupar em competir com produtos importados, que por serem muitas vezes melhores, conseguem mais demanda por parte dos consumidores. Os consumidores de baixa renda e os empresários que não se encontram na órbita do Estado, ficam a mercê de uma indústria pouco produtiva e que pouco inova e que coloca no mercado produtos ‘‘arcaicos’’ e com preços exorbitantes.

Seria tudo isso um governo ‘’neoliberal’’ ou uma sociedade de mercado? Seria um arranjo que beneficia oligopólios protegidos por lei e que impede a livre concorrência em determinados setores, gerando uma acumulação de capital em sua maior parte advinda de impostos e benefícios estatais (e não de produção e atendimento a demanda) arrancados de pequenos empresários e principalmente da população de baixa renda um arranjo liberal?  O que seria mais prudente: mais regulamentação como a esquerda deseja, ou mais liberalização de mercado como aconselha o ideário liberal? Ora, como nosso problema pode ser o liberalismo se nós temos uma sociedade de corporações que é antiliberal?