Poucos termos causam tanta
repulsa nas ideias socializantes quanto o termo propriedade, isso porque os
opositores com aspirações socializantes partem de uma teorização que conceitua
propriedade como uma espécie de um mau a ser combatido, por ser essa a geradora
de todas as desigualdades sociais e econômicas nas sociedades. Nada estaria
mais errado do que essa visão, que foi imortalizada nos pensamentos de Rousseau
e em síntese poderíamos dizer sobre essa visão que: ‘’a origem da desigualdade
está na propriedade.''
Tal visão exposta entende a
propriedade como sendo exclusivamente um bem material externo ao próprio
indivíduo, que ao consegui-lo aumenta a desigualdade perante aqueles que não o
conseguem. A propriedade seria, portanto, uma espécie de conquista inglória que
resultaria em diversos males para aqueles que não detêm posses. Karl Marx no
século XIX, em seus escritos, bradou contra a propriedade e sua suposta maldade
nas suas diversas obras, o que reforçou ainda mais uma visão jocosa sobre o
assunto. Diversos autores e políticos ao
longo da história lutaram contra a propriedade privada, paradoxalmente foi esta
que trouxe diversos avanços para a sociedade, inclusive beneficiando seus
críticos.
Mas para compreender a
importância da propriedade é necessário utilizar outra chave de leitura da
história que não mais pode ser a chave da igualdade/desigualdade, ou classe
proprietária/classe não proprietária. O ser humano é muito mais complexo do que
a dinâmica classista, e por isso as próprias dinâmicas sociais ao longo do
tempo assim o são também. É necessário entender que a propriedade foi um
instrumento criado pelo homem devido a sua utilidade na própria vida cotidiana,
desde os tempos mais remotos. A propriedade é instrumento criado, então, não
para oprimir ou dominar, mas sim para viver de maneira a buscar um melhor modo
de vida. Os exemplos históricos são inúmeros, entretanto vamos nos servir de um
notável processo histórico dos sumerianos na antiguidade clássica. Quando os
cientistas que estudavam e tentavam desvendar a escrita cuneiforme daquele povo
conseguiram o objetivo de traduzir os escritos analisados para os idiomas
atuais, se depararam com escritos que na verdade eram espécies de inventários
que registravam as propriedades: animais em geral, ferramentas e demais
utensílios.
Ora, tal dinâmica social nos mostra a importância para o ser humano da
antiguidade em obter e preservar suas propriedades, isso faz com que a tecnologia
instrumental de possuir seja um instrumento de suma importância para a
sobrevivência e consequentemente um grau mais sofisticado entre as relações
humanas, que devem ser entendidas muito além do simples binômio de possuir ou
não propriedades. A busca para se obter propriedade é uma busca pela
sobrevivência. Desde os primeiros seres humanos que a desenvolveram como uma
das formas de relações humanas, o problema da sobrevivência foi cada vez mais
se tornando banal, até que em nossos dias a sobrevivência muitas vezes não
parece ser um problema, mas sim uma coisa superada. Então, o que tornou isso
possível? De imediato, foi a sofisticação, ao longo do tempo, da propriedade
privada que permitiu tal feitio.
Dito isto, percebemos que desde os tempos antigos os homens privatizam
como forma de sobrevivência e de desfrutar de uma condição de vida com mais
posses. Hoje, a sofisticação proprietária nos permite adentrarmos em um
supermercado com uma variedade enorme de comida e produtos úteis à nossa
disposição, por exemplo. O problema da sobrevivência é, portanto, ligado ao
nível de sofisticação da propriedade ao longo da história. Mesmo aqueles que
não possuem propriedade são beneficiados por esse arranjo, uma vez que a
propriedade é geradora de outras propriedades (posses) – isso por via do
trabalho livre que a tecnologia proprietária permite e necessita.
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