Edmund Burke, importante pensador britânico, já alertava para
o fato de que ‘’quanto maior o poder, mais perigoso é o abuso. ‘’ Ao que
parece, uma das principais preocupações de Montesquieu era a limitação do poder
e que só poderia haver liberdade política e individual (segurança dos cidadãos)
se este fosse limitado. John Locke, pela mesma forma, escreve seus pensamentos
de forma a propugnar a limitação do poder real. Lord Acton já dizia que o ‘’poder
tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente. ’’ Note-se que
percorrendo a rica e complexa história do pensamento ocidental, o poder sempre
é um tema a ser tratado - especialmente.
No entanto somente os liberais, à luz da História, parecem
ter entendido como o poder é perigoso quando se encontra em expansão ou
ilimitado – independentemente da pessoa ou das pessoas que o detém, enquanto
outras teorias enxergam a expansão do poder como meio para se fixarem nas
sociedades – nazismo, fascismo, comunismo, socialismo e nacionalismos. Pouco
importa a época em que os liberais escrevem – séculos XIX, XX ou XXI -, o que
importa mesmo é o fato de que o poder tem uma peculiaridade que deve ser levada em consideração, sob pena
de resultados tirânicos ou despóticos; qual seja: o poder pode suprimir a
liberdade individual e a segurança dos indivíduos.
E tal como disse Montesquieu: ‘’quem detém o poder é tentado
a dele abusar. ’’ Arriscaria dizer que o poder exerce certo fascínio naqueles
que o detêm ou que o buscam. Essa afirmação é embasada na própria história,
diversos são os exemplos de tentativa e concretização de aumento do poder à
medida que a liberdade individual diminui; não é preciso muito esforço para
identificar na História governos tirânicos violadores de direitos individuais
fundamentais.
Liberdade individual aqui é tratada no seu sentido mais
amplo, isto quer dizer em todos os afazeres humanos. Seja na seara econômica,
cultural, privada ou qualquer outra. O poder político (estatal ou poder
público) é necessariamente controlador. Acontece que, justamente por causa do
seu fascínio e tendência à expansão, o poder passa a ferir o indivíduo em sua
liberdade de ação e escolha. Há aqui uma clara relação inversamente
proporcional entre aumento do poder e liberdade individual, como já alertava
Hayek – autor da obra O Caminho da
Servidão. Vale frisar que a liberdade implica prosperidade, paz e
tolerância como modo de convivência de uma sociedade. Pilares de boas e sólidas relações sociais
civilizadas. Por isso o foco em defendê-la.
Mas por que fazer uma relação confrontando o poder e a
liberdade? Ora, porque fica claro que o indivíduo é o que mais importa nessa
balança. Uma vez que os agentes do poder e seus defensores elaboram arranjos morais,
intelectuais e filosóficos acerca da defesa de seu exercício, o indivíduo perde
importância moral, intelectual e filosófica. Não é mera coincidência que nossa
época atual apresenta um conceito que é instrumentalizado de forma a
vilipendiar o indivíduo: supremacia do interesse público. Tal ideia é utilizada
jurídica, filosófica, moral e politicamente para relativizar, assombrosamente,
direitos inalienáveis ao indivíduo; o de propriedade por exemplo. Quantos são
os camelôs que têm suas mercadorias apreendidas pelos aparatos municipais? E quantas
são as pessoas que nada podem fazer depois que o Estado decide construir uma
estrada justamente no local onde ficam suas casas, a não ser receber míseras indenizações?
Que por mais justam que possam vir a ser, não podem justificar a
desapropriação. Quem tem menos é quem mais sofre com isso.
São ações, como essas exemplificadas acima, que denotam a
ideia de supremacia do bem público - nome pomposo para diminuição da liberdade
individual. Se há uma premissa que há tempos o poder deixou de seguir é a de
que é o exercício deste que precisa de justificativas, e não o exercício da
liberdade. Quando tentam justificar a limitação da liberdade dos indivíduos, os
defensores do poder recorrem à justificativa da lei. Em outras palavras: se há
uma lei, então é justo que se tome tal atitude.
Contudo a grande questão aqui é que essa justificativa é
demasiada mentirosa, pois não deveria haver sequer uma lei que proibisse alguém
de comercializar produtos nos logradouros públicos. Isso porque o ato de
comercializar o que quer que seja não atenta contra direitos individuais de
ninguém. Isso parece ser autoevidente,
já que comercializar é negociar e negociar é ato voluntário. A lei, exercício
por excelência do poder público, deveria atentar-se somente para os casos em
que os atos de indivíduos (não só econômicos) atentassem contra direitos de
outros indivíduos. Isso é o que justifica a lei e necessariamente o uso da
força, pois como bem ensinou Frédéric Bastiat: ‘’lei é força. ’’
Por derradeiro, em um Estado de direito, a lei é o seu
principal atributo. Além de ser o principal elemento de limitação ao próprio
poder estatal. Nesse sentido, é a lei
que determina e autoriza o uso da coerção estatal (para prestarmos uma
homenagem à terminologia moderna de uso da força) e por uma questão de
segurança e liberdades individuais, é o Poder Público que precisa justificar
suas ações, mas justificá-las de forma fundamentada de acordo com a realidade
dos direitos individuais. Isto é: determinada atitude de algum individuo ou de indivíduos
afronta os direitos de outros indivíduos? Se a resposta for sim, cabe, por via
do bom senso, que o Poder Estatal atue a fim de garantir direitos de outrem; se
a resposta for não, é lógico que o Poder Público não poderá limitar tal
atitude. Entretanto isso, per si, não
garante a limitação do poder; o que, de fato, garante tal fenômeno é a eterna
vigilância da sociedade em relação aos agentes do poder. É o preço a se pagar
pela liberdade.
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