segunda-feira, 11 de abril de 2016

Em Tempos de Impeachment, Precisamos Discutir o Recall Político.



Passados mais de um ano, é notório o fato de que a presidente Dilma, em 2014,  candidata à reeleição para a chefia do executivo federal, mentiu para os eleitores que a ela dirigiram seus votos. Mentir na campanha eleitoral não é nenhum crime, nem de perto; mas é, sem sombra de dúvidas, um ingrediente que deveria ser extirpado (sim, aqui há uma utopia para fins exemplificativos e explicativos) ou pelo menos satisfatoriamente diminuído em países democráticos. Ou seja, a mentira deveria ser a exceção e não, a regra. 

Constatadas as mentiras, o que chamam fraude eleitoral, o povo foi às ruas protestar contra o governo que seguiu em direção diversa daquela que efusivamente prometeu aos eleitores. Surgiu-se, então, na opinião pública a ideia de que se recorresse ao impeachment da presidente, que teria violado a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) com decretos que permitiram aos bancos públicos emprestarem dinheiro ao governo. Tal atitude da presidente violaria a LRF, por isso o motivo do pedido de impeachment ecoou das ruas para a Câmara dos Deputados.  

Este texto não pretende entrar no mérito da questão: se o impeachment é válido ou se é golpe (como alguns o chamam). O objetivo do texto é demonstrar o cenário que vai do período eleitoral até às políticas tomadas pelo governo, que descontentaram a maioria da população; e como esta se encontra à mercê de um Congresso Nacional que, ela mesma, julga ser também contra os seus interesses. Diante desse cenário em que o povo quer a saída da presidente e fica sob os auspícios de um Congresso Nacional em crise com a representatividade popular, qual seria a saída política democrática mais adequada e mais eficaz diante do nosso sistema presidencialista - que chega até mesmo a ser ‘’imperial’’, cesarista? 

Leva-se em consideração que o povo exerce o poder, no Brasil, (1) por meios de seus representantes; (2) através de plebiscito; (3) de referendo; e (4) de lei de iniciativa popular. Mas cabe aqui, como se vê, que falta o recall político para maior robustez quanto à democracia brasileira. Seria o quinto e mais importante instrumento de controle popular e de exercício direto do poder em relação aos que exercem o mandato político no país dentro de um sistema presidencialista rígido.  

Nesse sentido, recall é um instrumento jurídico e político, no qual se permite a destituição do detentor de cargo eletivo por meio do voto popular. A ideia mais central desse instituto é a tese de que se um governante, seja do Poder Legislativo (este quando revogação ou destituição colegiada ou coletiva) ou do Poder Executivo, não realizar um bom mandato, aos olhos do povo-eleitor, este pode votar pela destituição daquela pessoa que ocupa cargo eletivo. Logo o voto do recall político é uma espécie de ‘’voto de desconfiança ou de confiança’’, medida estabelecida e muito utilizada em sistemas de governos parlamentaristas; que, apesar de ser parecida, não se confunde com o recall.  Nessa direção, o povo transformar-se-ia em um grande parlamento pós-eleitoral em que daria a sua moção de desconfiança ou confiança depois de transcorrido o tempo de mandado estabelecido na lei, para esse fim. 

O instrumento, aqui em questão, aproxima-se da democracia direta sem colocar em risco a autonomia individual daqueles que estão sob um determinado ordenamento político; isto é: o exercício do voto no recall político não favorece a ‘’ditadura da maioria’’. O mesmo não se poderia afirmar caso se escolhesse a democracia direta para todas as decisões de uma dada organização política – país, estado, município – (mesmo que isso fosse possível nos tempos modernos) em detrimento de uma democracia representativa. O recall, portanto, não favorece, de modo algum, a ‘’tirania da maioria’’; uma vez que ele permite somente se o mandato continua com determinado agente ou não. 

O recall dá à população a chance de destituir de seu cargo aquele que, durante a corrida eleitoral, usou recursos imorais, antiéticos, manipuladores ou falsificados. Constitui-se assim um poderoso sistema de freio ou contrapeso à demagogia ou à manipulação de massa excessiva. Uma vez que o poder político, na democracia, origina-se do povo, nada mais coerente que dar a ele o poder de decidir se o agente político está agindo conforme suas propostas estabelecidas; e ainda dá aos eleitores a possibilidade de avaliação do seu representante após um determinado período de tempo do mandato. É uma aprovação ou desaprovação a posteriori daquele que exerce mandato eletivo.  Tal instrumento esclareceria, de vez e na prática, de quem é a titularidade do poder político: do cidadão! 

Ademais, o recall atinge principalmente a atitude dos políticos, tanto em disputa eleitoral quanto em exercício de mandato. Seria, pois, um mecanismo que se apresenta imperioso ao agente político. Com efeito, o recall serve como fiscalização do povo no momento em que se destitui o agente ou no momento em que se mantém ele no cargo sem prejuízo do regime democrático. Ganharia, em muito, a democracia caso fosse instituído tal instrumento; o exercício do poder legalmente constituído abarcaria em si uma ‘’trava’’ popular em relação aos desmandos dos agentes políticos, sob a ótica própria do povo-eleitor que aprovaria ou não a continuidade do governante no cargo de acordo com seus próprios designíos.  



Outra vantagem seria a de que não mais fosse necessário (como não o é na democracia representativa) que o representante do povo estivesse fielmente vinculado, em termos de propostas políticas e execução de poder durante seu mandato, à sua base eleitoral. Não se deve haver essa vinculação, pois se corre o risco de descaracterização do regime democrático representativo como regime estável, uma vez que a maioria, em termos de escolhas legislativas e orçamentárias do Estado, por exemplo, nem sempre leva em consideração a racionalidade, as vantagens e as desvantagens das suas decisões diretamente elegidas.   

Porém em relação ao recall, ainda que haja uma escolha pela maioria que não seja racional ou vantajosa, a democracia tem a seu dispor outros mecanismos de freios e contrapesos à própria vontade da maioria, quais sejam: a independência dos poderes, o Poder Judiciário, as leis e a Constituição. Em uma democracia direta, não há tais mecanismos de controle e limitação, pois ‘’tudo’’ é definido de acordo com o ânimo da maioria. Ademais, no mundo atual, é impossível que a maioria decida por todas as coisas da gestão pública, já que esta nunca estaria presente na ‘’praça pública’’(Ágora) exercendo diretamente sua cidadania política. Isso porque os cidadãos têm outras preocupações mais, que não exclusivamente, ou prioritariamente, as decisões políticas e a politica propriamente dita.  

Com isso, mesmo que o povo-eleitor veja o seu representante partir para caminhos diversos daqueles apresentados aos eleitores no período anterior ao do mandato, o povo poderia, dentro de sua própria avaliação, expressar-se no recall em relação à permanência, ou não, do seu governante-representante; desde que fossem respeitadas as leis e a Constituição (para o desrespeito desta e daquela, têm-se os institutos políticos e jurídicos do impedimento ou da cassação do mandato, dentre vários outros diplomas legais). 

Por conseguinte a instauração do recall somar-se-ia aos demais instrumentos de freios e contrapesos na medida em que estabelece uma nova atitude que qualifica a disputa eleitoral (sem excessos de demagogia, manipulações – como se têm visto as democracias de massa) ao passo que dá ao titular do poder político (povo) o instrumento legítimo de avaliação periódica de seus representantes, que levariam a qualidade da democracia representativa a patamares cada vez mais robustos e eficientes sem deixar o povo à mercê de, por não raras vezes, escusos interesses pessoais e imorais de quem ocupa as representações políticas em ambos os poderes (Legislativo ou Executivo). Pois se o povo, em um momento, escolheu quem governaria por ser ele o titular do poder, também deveria ele mesmo ter o poder de escolher quem não mais continuaria a exercer o mandato - é uma questão de lógica democrática.



Referências:

William Junqueira Ramos. O instituto do recall ou revogação de mandatos eletivos. Disponível em: http://www.ambito  juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2948 . Acesso em 08/04/2014. 

 

Joaquim Leitão Júnior. O que se entende por recall no direito constitucional? Disponível em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1973937/o-que-se-entende-por-recall-no-direito-constitucional-joaquim-leitao-junior . Acesso em 08/04/2014. 

 

Carlos Góes. O que é pedalada fiscal? Um manual para não-economistas. Disponível em http://mercadopopular.org/2015/10/o-que-e-pedalada-fiscal-um-manual-para-nao-economistas/ . Acesso em 08/04/2014









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